É como traduzir o silêncio que me sustenta. Páginas em relevo com o meu sagrado. Meu segredo. Secreto santuário. Flores do meu jardim, frutos do meu quintal. Mais uma parte que parte, põe-se a caminho, segue viagem, vai embora, retira-se, afasta-se, foge. Mais uma parte que parte, dividi-se, separa, quebra, reparte-se. Mais uma parte que parte, tem origem ou começo, procede, provém, decorre, deriva, nasce de mim.Mais uma parte do segundo mais tarde, nas ruas que escolhi.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nunca gostei de gérbera

Sempre gostei de flores, mas, de gérberas não. Sei lá, grandes demais, coloridas demais, elas quebram o caule fácil. Sem graça. Eu gosto é de margaridas. Das rosas também, mas, não daqueles espinhos. Espeta tanto só por causa de uma florzinha. Ah mas o que eu mais gosto e gosto mesmo, de verdade são os cravos. Os cravos são feitos de saias rendadas das moças mais velhas, as de 15. Eram tão independentes. Até podiam morar sozinhas. Sempre quis morar sozinha. E o perfume do cravo? Quando não tinha certeza, aguçava o sentido do olfato e sabia que naquele jardim tinha cravo. Só não entendia o cravo ser o masculino da história. Minhas preferidas são as de laranjeira, delicadas, cheirinho doce e dão frutos laranja cheios de uma agüinha ácida. Tem também aquela pequenininha branquinha, bem pequena mesmo e bem branca, várias em um mini buquê. Nunca sei o nome, mas, quando as vejo sei que são delas que gosto mais. Gosto tanto de flores. De todas.  Não entendo,  de gérberas eu não gosto!
 Quando corria nos jardins das minhas avós, porque ambas tem jardim e era a primeira coisa que fazia quando chegava - correr por lá, eu sabia que estava no lugar perfeito. Perfumado, colorido, um mundo que cintilava aos meus olhos e me enchia de alegria.
 Uma tinha um jardim com margaridas dos dois lados do caminho de entrada da casa que era azul, muitas margaridas! O caminho mais bonito. Em um dos lados, no fundo depois de todas as margaridas tinha um pé de limão, daquele laranja, gordo e enrugado. Era legal chegar até lá embora, mesmo que a recompensa fosse encontrar aqueles espinhos fortes, longos e pontiagudos. Nunca peguei o limão do alto, espetava o braço e a mão. O suco era feito com os que estavam no chão, eu os pegava. Não queria que apodrecessem assim, na terra. Os queria mais perto. Dentro.  Suco sem açúcar com todos os limões. Eu os pegava!  E pegava todos! Alguém mandava e ia pelas margaridas.
Na casa da outra, a entrada era uma escada, a casa azul ficava lá em cima, também com flores dos dois lados do caminho, na escada, na subida. Tinham várias e várias. De vários tipos e cores. Não dava Tempo de terminar de olhar uma e já vinha o próximo degrau com a outra. Não podia pegar nem colher, nem tocar, nem chegar muito perto para não encostar. Elas poderiam estragar e eram para ficar ali, no jardim da vó. Mesmo assim, brincava ao lado do caminho mais bonito. Caminhava entre elas: meu mundo fabuloso. Mas, evitava as gérberas, bonitas e frágeis. Elas eram grandes demais e pesavam quando tinha vento. O caule parecia que ia quebrar a qualquer momento. Não poderia encostar nas gérberas. Se ela caísse? E se quebrasse? Quando acontecia, comia parte das pétalas e enterrava o resto. Ninguém percebia. Era meu segredo. E elas ficavam em mim. Mas e partisse e junto o coração da minha vó? Melhor não. Melhor nem chegar perto. Não das gérberas. Acho que foi por isso, só por isso que sempre gostei de flores mas, não dessas. Observava a distância, em silêncio contemplativo, perto das outras e longe delas. Deu. Só isso. Só observar, de longe e quietinha. Nada de levar para casa, colocar em vaso, enfeitar a mesa. Não precisa. Ta bom assim.
Na minha casa? Ah na minha casa tinha mamão, laranja, laranja lima, limão, maracujá, pêssego, goiaba vermelha (que o não pegou) e uva. O mamão eu machucava com uma madeira que tinha um prego na ponta, gostava de ver o leitinho saindo daqueles que eram verdes. Minha mãe achou que era fungo. Eu não disse nada. Ela cortou. Eu chorei. Não gosto mais muito de mamão. Dói por dentro, não sei, prefiro preservá-los. Ah! Tinha também meu pé de jabuticaba. Eu crescia com ele, como ele, na mesma altura sempre. Eu crescia e ele também, ele crescia e eu também. Na mesma medida. Acompanhava todos os dias. Foi só eu parar de medir, lá pelos 13, 14 e o danadinho cresceu bem lá pra cima. Não deu. Na minha casa tinha frutas, era um quintal.

Hoje tem lavanda e hotelã, alecrim e manjericão, lírio e flor-de-maio. Tem mais coisas. Bem mais. Mas, vamos pelo começo. Começo adotando as gérberas. Àquelas que eram intocáveis.
P.S: Todas as flores tem significado, representam uma emoção, um sentimento. Pesquisando sobre gérberas, verifiquei que a maioria atribui o significado de "Beleza" às gerberas. Achei um site que tem a descrição mais detalhada, gostei. " A gerbera significa a pureza e inocência das crianças.A beleza da vida e a energia positiva da natureza. Representam também a sensibilidade e sensualidade , amor e nobreza , alegria e simplicidade e a pureza." Via: Rebeca flores.


4 comentários:

Mai disse...

Essa mesma - antes intocável - gérbera, embeleza agora o seu blog.
Bela flor, belo texto.

Beijos,

Mai.

Rô Rezende disse...

O texto me transportou para esses jardins, fiquei imaginando uma criança maravilhada, perdida nesse mundo de flores e frutas. rs

Não conheço as gerberas, mas têm um nome forte, né? Procurei no google, e a flor que apareceu é completamente diferente das que eu imaginei. São bonitas!

Na casa da minha avó também tinha limão laranja, o cravo, que a gente chupava com sal. =S E os estragados meu irmão jogava em mim. E por mais que eu chorasse e esperneasse, eu adorava aquela vida.

Eu gosto dos espinhos, só percebi com esse texto. Gosto do contraste da beleza e da delicadeza da flor com a proteção do espinho.

Quando crescer quero ter uma casa de vó, com caminho de flores, horta e pomar. rs...

Fernanda Haskel disse...

"-eu sei pq vc nao gosta de gerbera...me perdoa?
-vc sabe de todas as coisas...tenho que começar a tocar no intocável
-entendo"

Fernanda Haskel disse...

Vocês são lindas, minhas amigas! Maizinha é isso: antes intocável e agora exposto! Roberta adoro o jeito que você escreve o que sente! Beijos S2

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